A primeira participação do BHB trouxe grandes inquietações para começar a
entender o que é a “A Revolução da Comida” no atual cenário sociocultural da
sociedade. Agregando ao tema do primeiro bloco do evento, Uma metamorfose
ambulante chamada ser humano, a palestra “O caos na identidade e a comida como
resgate”, proporcionou bons momentos de autoconhecimento e reflexão sobre como
entender o processo das marcas e suas relações com a alimentação cotidiana.
Michel Alcoforado, antropólogo, sócio-diretor da Consumoteca e colunista do
UOL, começou a sua participação colocando que “até para falar sobre comida está um
caos”. Fazendo referência a toda turbulência da correria do dia a dia das pessoas, que
enfrentam diversos dilemas sobre como conduzir suas próprias vidas em aspectos
diferenciados, como questões financeiras, alimentares, relacionamentos e tantas outras
perspectivas que englobam suas experiências.
E esse caos tem explicação! Hoje, diversos modelos alimentares estão co-
existindo em um mesmo espaço/tempo. Em um mesmo restaurante, podemos ter acesso
a comida vegana e nos alimentar com uma comida multiprocessada, estilo fast-food. A
globalização desses processos e dos modos de alimentação possibilitam novas
discussões sobre como é construída a relação entre a nossa identidade e a nossa
alimentação. Os dilemas ligados ao que comemos e como comemos, estabelecimentos
de dietas e a forma como adquirimos saúde e bem-estar através da alimentação são
diferentes. A comida é um processo de experiência, onde podemos explorar muito além
do sabor. Ativamos memórias, criamos relações e construímos mecanismos sociais
através dessa ação.
Para o antropólogo, as “etiquetas culinárias ainda falam muito sobre nós” porque
elas determinam as estratificações sociais de cada público e dá as marcas formas de
compreender o que pode ser trabalhado para vender seus produtos. Além das etiquetas,
é válido ressaltar que as gerações também influenciam na construção de visões
diferentes sobre a relação entre produtos, alimentos e a forma que isso é composto em
sua identidade. Michel aponta que “geração ainda é um drive importante” nesse
processo.
A geração Baby boomer, de pessoas nascidas entre 1946 a 1964, visa manter os
tradicionalismos sociais, que visa a fartura, seja financeira ou alimentícia. É uma
geração que gosta da comida caseira e gosta, principalmente, de ostentar a quantidade
de comida que ingere ou possuí. Suas relações pessoais sempre agregam um momento
para alimentação. Um café, um almoço de domingo ou um encontro de amigos. A
comida passa a ter um valor social para aproximar as pessoas e assim, passam suas
receitas caseiras de ‘geração em geração’ porque acreditam na força e o poder da
alimentação.
Já a geração X, nascidos entre 1965 a 1979, é marcada, segundo Michel por uma
sociedade em que as “mulheres foram trabalhar e precisam dar conta de tudo”. Essa
geração tem como objetivo de vida a praticidade. As marcas passaram a ganhar um
novo status para esse grupo, elas não eram simplesmente a produtora, elas eram a
simbologia de um compromisso social. Para essa geração não existe leite condensado,
existe o “Leite Moça”. “A comida é marca, é praticidade”.
Nesse tempo, as mulheres tinham que ser grandes ícones no mercado de
trabalho, donas de casa, esposas e boas cidadãs. Não muito diferente de hoje, mas elas
sofriam com a pressão de uma sociedade tradicional condicionada na outra geração,
assim, elas se sentiam desacreditadas e por muitas vezes, culpadas por não estarem
presentes no momento de preparo de alimentos para a família. Assim, a praticidade de
produtos congelados, multiprocessados e outros ganharam os armários de cozinhas e
tiraram um pouco deste peso dessas mulheres.
Os Millennials, ou a geração Y é composta por pessoas nascidas entre 1980 a
1994, que são os proponentes da Era da Internet. Para essa geração, a comida vai muito
além da ideia de suprir as necessidades do corpo. A comida agrega o valor de
experiência e ainda adiciona um estilo de vida. Os millenials não gostam de cozinhar,
mas amam receber informações sobre o que comer e como comer. A comida é um ato
público, que representa o seu método de vida e caracteriza elementos primordiais da sua
identidade. Michel aponta que essa geração é a propulsora da “gourmetização dos
alimentos”. É brigadeiro gourmet, é hot-dog gourmet, é um universo gourmet. Essa
configuração altera as estratificações de relações sociais, em que a informação é
primordial, mas a praticidade ainda é um fator preponderante para o consumo. É a
geração que se apropria de programas culinários, que agregam valor à comida e às
marcas que produzem estes alimentos.
E para a geração Z, dos nascidos entre 1995 a 2015, chegou em uma fase em que
esperavam um mundo totalmente diferente. É a geração Smart, que têm internet, redes
sociais e configurações de última tecnologia como ferramentas para encarar o mundo
moderno. É uma geração que não teve o sucesso tradicional sobre recursos financeiros
como à boomber, e que com o cenário atual de crise financeira mundial, sem grandes
ascensões financeiras e profissionais, acaba por “ostentar comida”. Os jovens dessa
geração pensam fora da caixa. Eles são, muitas vezes ansiosos, fãs de comidas rápidas e
de marcas que representem suas identidades.
Michel aponta que a “comida é um conforto para essa nova geração”, que não
obteve sucessos semelhantes a outras gerações e busca, através de comidas, ostentar o
que podem. Enfrentam filas de restaurantes famosos, integram a imagem da comida em
suas redes sociais e constroem comportamentos que entreguem sensações para suas
experiências. “O SUPERMERCADO É A NOVA DISNEYLANDIA DESSA
GERAÇÃO. MARCAS AGREGAM VALOR E OS VALORES SÃO OSTENTADOS
PELA GERAÇÃO Z”.
Tudo isso nos põe para refletir, como dito pelo sócio-diretor da Consumoteca.
“Será que estamos construindo um portfólio que atenda todos esses públicos?”. São
diversas vertentes e comportamentos para contemplar e um vasto campo de exploração
de mercado para conglomerar gostos, processos sociais e, principalmente, as formas de
se alimentar de todas essas gerações.