A partir desta edição teremos uma novidade em nossa QNews, uma sessão na qual conversaremos com profissionais dos segmentos de alimentos, suplementos e marketing. Pessoas que admiramos e que nos inspiram com a sua forma de fazer negócio. Acreditamos na troca de informações como importante pilar para inovação, por isso, apresentamos à vocês o QTalks. Uma forma de promover conhecimento e por que não, networking. Nosso primeiro convidado Hamilton Henrique, fundador do Saladorama, promove a transformação da sociedade através da alimentação. “Muitas pessoas conhecem o Saladorama mas poucas entendem o que de fato é o negócio, muitos contam apenas minha historia: ‘…ah o menino triste que saiu da favela e que vende saladinha nas costas…’ mas tentamos gerar uma transformação real na favela através da alimentação”, diz Hamilton.
Equilibrium Latam – Qual o principal objetivo do Saladorama?
Hamilton – Promover a mudança de hábitos para uma alimentação mais saudável através da educação. Nosso sonho era ser como o pão francês, ninguém sabe a história ou os benefícios dele, mas todo brasileiro come…então nosso trabalho está em fazer com que as pessoas comam o pão e saibam as suas propriedades, porque dessa forma você coloca isso como uma necessidade. O Saladorama acredita muito que a alimentação do futuro vai salvar vidas, e isso acontece a partir do momento que eu conheço as propriedades dos alimentos. Continuamos vendendo alimentos saudáveis e focando no desenvolvimento educacional das pessoas para que elas possam produzir. Em resumo, podemos pensar no ciclo da seguinte maneira: alguém que passou pelo nosso curso começou a vender doce de abóbora, ela foi impactada pela nossa educação, conseguiu criar uma fonte de renda para ela, vende novos produtos e isso prolifera essa revolução que a gente acredita que vem pela boca.
Equilibrium Latam – Como foi o processo de formação do negócio?
Hamilton – Entendemos que para gerar transformação, o caminho deveria ocorrer através da educação. Com o Saladorama as pessoas começam a empreender e influenciamos diretamente a economia do local, a comunidade produz seus próprios produtos e o dinheiro fica dentro da favela…por isso fomos convidados para vir para Brumadinho (MG), para auxiliá-los nessa busca de alternativas, para que a comunidade possa empreender e desenvolver um negócio através da alimentação, pois sabemos que é um ponto que gera uma economia e riqueza com poucos recursos. Temos o processo de venda de alimentação mas hoje o foco, o nosso core business é através da educação, em criar ferramentas para gerar transformação educacional. Porque aí é uma “espiral” , as pessoas mudam a mentalidade, mudam os hábitos alimentares e começam a pensar na economia através da nova mentalidade, de forma mais saudável e sustentável.
Equilibrium Latam – O trabalho do Saladorama atinge hoje três capitais brasileiras, gerando um impacto social positivo e mantendo a renda dentro da própria comunidade. Você tinha ideia da proporção do impacto que vocês causariam com essa iniciativa?
Hamilton – A proporção do impacto social que causamos hoje não era algo previsto, mas era algo sonhado, mais do que isso, nos colocamos na condição de errar muito, de ser um protótipo. Muita gente já vendia salada e promovia essas coisas, não necessariamente para o público que a gente estava focando, mas não queríamos ser apenas uma alternativa à pizza. Na comunidade temos muito uma cultura de pizza, comemos no final de semana sem pensar nos impactos que isso pode causar para a saúde. E nossa preocupação de trabalho era entender em como esse processo podia promover uma mudança de hábito. A gente iniciou com foco na venda de salada e em toda a sua cadeia produtiva: o produtor, a cozinheira, os clientes, e isso foi tomando uma proporção grande, mas não gerava a mudança de hábito que a gente queria, porque isso vem através da conscientização. O fato de ter o alimento acessível, não muda os hábitos alimentares de ninguém. Abrimos unidades em diversos locais, mas hoje o Saladorama está centralizado em São Paulo, Recife e Rio de Janeiro. Continuamos a vender salada, e tudo que envolve uma alimentação saudável: lasanha de berinjela e ratatouille, por exemplo, mas a transformação dos hábitos vem de maneira eficiente sem eu precisar de publicidade, porque ela ocorre através da educação. Começamos a criar ferramentas de educação, palestras, cursos de reaproveitamento de alimentos e formação de consultoras de saúde dentro da comunidade com pessoas que conseguem enxergar a alimentação de uma forma mais “cientifica”, pessoas que conseguem aconselhar outras pessoas a comer de uma maneira melhor, e através desse passo, entendemos que o impacto maior que a gente poderia causar não era só com a venda da salada, mas muito mais focado na educação, fazendo com que se quebre o ciclo de um péssimo hábito alimentar.
Equilibrium Latam – Você acredita ter uma razão específica para que a alimentação ou os hábitos saudáveis não serem acessíveis para todos?
Hamilton – Eu não sei em que momento da história se bagunçou a nutrição, mas em algum momento alguém disse que nutrição era coisa de rico. Mas era para ser saúde básica sabe?! Eu sei que não foi culpa da nutrição, mas alguém disse que a nutrição era exclusiva para pessoas ricas porque eles podiam pagar por isso. O que a gente tem feito é aproximar e utilizar os conhecimentos das nutricionistas para gerar a transformação lá na ponta. É tão importante desmistificar a nutrição e tirar a imagem do nutricionista de que ele só está ali para me fazer perder peso, porque isso não pode ser verdade absoluta. As pessoas colocam a responsabilidade do seu peso na nutricionista e ficam menos ligadas com as mudanças que a alimentação pode trazer. Começamos exclusivamente com a venda de alimentos e a transformação não acontecia. As pessoas comiam as saladas, mas não sabiam porque estavam comendo, e quando isso ocorre não é mudança pelo hábito, é apenas um evento, sabe?! Começamos a analisar o negócio e vimos que vendemos cem saladas por dia, mas não eram as mesmas pessoas que compravam todos os dias, essas pessoas iam sumindo porque eram compradores pontuais. Por exemplo, uma pessoa comprou duas vezes em 2017. Mas o que de fato aconteceu com essa pessoa? Qual foi o impacto? Mudamos a vida dela? Então a gente começou a se atentar mais para isso, e para ser um negócio social de transformação precisávamos mudar a educação, e começamos a criar ferramentas para gerar essa transformação através da mente e do hábito alimentar.

Para auxiliar na sua missão, o Saladorama conta com um time de nutricionistas. A nutricionista Érica Muniz trabalha na unidade de Nova Descoberta em Recife há quatro meses, contribuindo com a formação de consultoras de saúde (preparo, organização e distribuição da produção de alimentos), elaboração de ferramentas de educação nutricional, palestras de motivação e empreendedorismo. “É muito gratificante trabalhar aqui, nunca havia trabalhado na comunidade e colaborar formando essas consultoras é uma etapa desafiadora. Estar perto da comunidade é maravilhoso, podendo conhecer de perto suas dificuldades e necessidades, por isso, o trabalho em conjunto é tão importante. Me apaixonei pela proposta do Saladorama desde o primeiro momento”, diz Érica.
Equilibrium Latam – O que as grandes indústrias devem de fato fazer para democratizar o acesso aos seus produtos, principalmente aqueles que entregam saúde e nutrição, dentro das comunidades?
Hamilton – O caminho fácil é encontrar pequenos negócios dentro da comunidade que possam fazer essa “travessia”, o que muitas empresas fazem errado, por exemplo: porque não tem McDonald’s na comunidade? Não é porque não tem público ou por questões de tráfico. É porque a comunidade entende que tem que valorizar o que tem dentro, tem uma construção de pertencimento mesmo que de forma indireta, mas existe. Eu costumo dizer que a comunidade é como se fosse a nossa casa, quando vem alguém de fora da comunidade é como se alguém chegasse na sua casa, abrisse a geladeira, comesse alguma coisa e depois fosse embora. E isso é invasivo. O caminho fácil é realmente encontrar um player que atua dentro da comunidade e trabalhar junto com ele, com eventos, palestras etc. mas de forma alguma tirar o protagonismo da comunidade, porque é isso que engaja as pessoas. Já o caminho difícil é chegar por cima, ou seja, abrir uma loja dentro da comunidade, mas nesse caso você não conhece nada, os hábitos, costumes etc. Hoje trabalhamos também com a construção de relatórios para algumas empresas que querem entrar na comunidade.”
Equilibrium Latam – Como o Saladorama se relaciona com a indústria de alimentos?
Hamilton – Engajar a comunidade a ter uma alimentação saudável faz parte do nosso negócio, criamos uma série dentro do nosso canal do Youtube chamada “Comendo bem com a cesta básica”, onde convidamos alguns chefs e eles criaram alguns pratos incríveis com produtos que só tem na cesta básica. Outro programa é o “Diálogos de alimentos” onde trazemos alimentos que as pessoas geralmente torcem o nariz, de maneira diferente, como quiabo à milanesa, snack de grão de bico com curry, super barato e fácil de fazer. Como fez muito sucesso, hoje comercializamos este snack. Queremos aproximar a industria da comunidade, não vou conseguir fazer com que uma pessoa deixe de comer o biscoito recheado e compre minha salada, eu não consigo fazer isso e por isso temos que viver em harmonia. Mas entender os avanços da indústria, estar próximo e fazer essa conversa junto com a comunidade, é como criar um “nutrition translator”. Precisamos traduzir a nutrição dos produtos. A mídia ainda foca a atividade do Saladorama como a venda da salada porque acredita que esse é o produto final, mas ela é só uma desculpa para fazermos toda essa transformação. Eu venho pela salada dizer para esse cara que come biscoito recheado, que eu sei que ele não vai manter esse ritmo (de comprar salada) tanto tempo, e que todos outros alimentos que ele consome, ou seja, os produtos industrializados da cesta básica dele, não são tão ruins assim, e mostro para ele que ele precisa de um equilíbrio entre a salada e esses produtos, porque afinal, são eles que estão na cesta básica que ele recebe todo mês. E assim vamos criando esse diálogo, essa tradução da nutrição.